sexta-feira, 11 de junho de 2010

Noel - O Poeta da Vila


O longa “Noel – Poeta da Vila” é uma mistura acertada de novos e veteranos talentos no meio cinematográfico brasileiro. Nas mãos do diretor Ricardo Van Steen, que faz sua estréia na direção de longas-metragens, a história do famoso sambista da Vila Isabel foge da visão documental com uma versão mais romanceada do artista, ganhando cores através de outro estreante, o protagonista Rafael Raposo. Estes dois novos talentos se combinam às boas atuações de Camila Pitanga, Paulo César Peréio, Flávio Bauraqui, Jonathan Haangensen e outros nomes conhecidos do cinema nacional, além da participação de vários músicos do cenário do samba carioca, essenciais na composição desta história.

”Noel – Poeta da Vila” é um ótimo filme por diversos motivos, mas o primeiro deles é Rafael Raposo. Além da semelhança física, que o ator atingiu após perder 14 quilos (e ajudado por uma prótese no queixo), Rafael Raposo consegue mostrar a irreverência que marcou a vida e a obra do sambista, irreverência esta que dá o passo de todo o filme, dando leveza ao longa sem perder seu lado dramático. O segundo motivo é Camila Pitanga, destacando-se com uma personagem apaixonada que aos poucos é consumida pela mesma doença que seu amante (além dela sambar muito bem). Tudo envolto numa trilha sonora cheia de grandes clássicos do samba e que hoje já fazem parte do cotidiano brasileiro.
”Noel – Poeta da Vila” é biográfico sem ser chato. Os amores de Noel, seus duelos musicais com Wilson Batista, a doença agravada pela vida boêmia, enfim, a vida do compositor, dão profundidade a este romance sobre este importante período da história musical brasileira e sobre um de seus mais importantes representantes. Um excelente começo para o diretor Ricardo Van Steen.

É razoavelmente comum em cinebiografias vermos o esforço por, juntando pedaços de diferentes momentos da vida de alguma figura célebre, encontrar um sentido dramático para o percurso desta vida. Já começa ai o diferencial da proposta de Noel Rosa – O Poeta da Vila, estréia em longa de Ricardo Van Steen: se obedece a dinâmica do “the best scenes of life”, mantém os fragmentos no campo dos fragmentos. Cada pedaço da trajetória de Noel Rosa é, antes de ser uma parte necessária para se entender o conjunto de sua existência, um pedaço com existência própria, não porque tenha sentido autônoma, mas porque tem uma riqueza em si mesmo: a riqueza da experiência.
Van Steen opta por se ater em um período condensado. Parte da transição dos estudos de medicina para o mergulho no mundo do samba e termina com a morte precoce do compositor por tuberculose, aos 26 anos. Essa opção pela abordagem de poucos anos de Noel, se não chega a instalar o filme em momentos de observação mais detida, ajuda o diretor a captar uma atmosfera de ambiente e época. O samba carioca dos anos 20/30, certamente, está impregnado em várias passagens. E é esse o ponto mais alto de O Poeta da Vila.
Mesmo tendo a seu favor um ator possuído em seu mimetismo minucioso, que se agiganta em alguns momentos com sua voz frágil e sua estatura miúda, o filme é especialmente feliz na aproximação com o entorno – não tanta pela reconstituição cenográfica e dos figurinos, mas, sobretudo, por conta da crença da direção e dos atores em estar lá, no Rio dos anos 20/30, com um jeito de postar-se em cena e de comandar as palavras todo próprio. Pode-se afirmar, sem risco de superlativismos, que há autenticidade, por assim dizer, nessa recuperação de época. Van Steen evita o cheiro de naftalina emanado de algumas iniciativas do gênero, investindo em uma câmera quase sempre fluente e suave, em um fluxo dinâmico na passagem entre os planos, em elipses nada didáticas e em uma imperfeição do enquadramento que, além de ofertar um saudável contraste com os planos mais compostos e “artísticos”, evita uma mumificação da imagem do passado. O Rio de ontem, nesse sentido, respira contemporaneidade.
Não significa que, entre o primeiro e o último plano, tudo é ginga. Se há situações especialmente bem sucedidas, como o início da transa entre Noel e sua esposa, com o vidro de uma porta entre eles e a câmera, também existem circunstâncias desastradas, como uma outra transa, agora do compositor com sua amante Ceci (Camila Pitanga), um e outro com máscaras para não se contaminarem com a tuberculose. A cena, menos pelo que mostra em quadro, mais pelo quadro em si, quebra o registro, mas sem apresentar um outro registro à altura do padrão estipulado por Van Steen. De qualquer forma, esse é um momento quase de exceção, que, se comparado ao restante do material, realmente parece parte de outro trabalho. Se não chega a ser memorável ou impactante, se não ambiciona a poesia experimental de um Sganzerla (Isto é Noel Rosa), se não incorpora mais a criação musical que o criador dos sambas em sua frente de abordagem, O Poeta da Vila, ao menos, tem a grandeza de ambicionar ser modesto e digno em seu enfoque e encenação. Ponto positivo!

Sinopse:
O filme acompanha Noel Rosa através de seus últimos anos, do sucesso à morte prematura causada pela tuberculose. Nascido em uma família com boas condições, branco, estudante de Medicina e com um defeito no queixo, ele prefere a companhia dos negros, dos malandros e das mulheres da vida pelos bares da cidade, e é através de suas andanças por este outro “mundo” que ele conhece Ismael Silva (Flávio Bauraqui), com quem logo faz amizade. Encorajado por Ismael, também compositor, Noel se insere no mundo do samba com a música “Com que Roupa?”, sucesso imediato de Carnaval. Sempre muito debochado, Noel faz amizades pela noite carioca dos anos 30, se juntando a figuras que hoje fazem parte da memória da época, como Cartola, Wilson Batista e Mário Lago (este último vivido por um irreconhecível Supla). Nesse mundo de cabarés e bebedeiras ele também conhece Ceci (Camila Pitanga, excelente), uma dançarina de cabaré por quem se apaixona. Ceci rapidamente se torna musa inspiradora e amante de Noel, que enquanto isso tenta manter a vida de casado com Lindaura (Lidiane Borges).

Curiosidades:

- Estréia de Ricardo van Steen como diretor.
- As filmagens de Noel - Poeta da Vila ocorreram no final de 2004.
- Exibido na mostra Première Brasil, no Festival do Rio 2006.
- Titulos no exterior: Noel e The Samba Poet .


Ficha Técnica

Título original: Noel - Poeta da Vila
Gênero: Drama
Duração: 100 min.
Lançamento (Brasil): 2006
Distribuição:
Direção: Ricardo van Steen
Roteiro: Pedro Vicente
Produção: Paulo Dantas
Co-produção: Movi&Art e Zohar Cinema
Música: Arto Lindsay
Fotografia: Paulo Vainer
Direção de arte: Cláudio Amaral Peixoto
Figurino: Bia Salgado
Edição: Umberto Martins

Elenco

Rafael Raposo (Noel Rosa)
Camila Pitanga (Ceci)
Paulo César Pereio (Médico de Noel)
Roberta Rodrigues (Lola)
Flávio Bauraqui (Ismael Silva)
Jonathan Haagensen (Cartola)
Rui Resende (Neca / Pai de Noel)
Rodrigo Amim (Vadico)
Supla (Mário Lago)
Fabrizio Fasano (Kid Pepe)
Wilson das Neves (Papagaio)
Rodrigo Lima (Almirante)
Laura Lustosa (Martha, Mãe de Noel)
Leandra Miranda (Deolinda)
Pedro Miranda (Mario Reis)
Dalva Rodrigues (Olindina)
Otto
Carol Bezerra (Aracy de Almeida)
Erika Puga (Justina)
Tia Surica
Fábio Barreto (Saturno)
Lidiane Borges (Linda)
Mário Broder
Valéria Castro
Daniel de Castro (Helio Rosa)
Ingrid Conte
Alexandre da Costa
Milton Filho
Eduardo Gallott
Cristiano Gualda
Fábio Lago

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